quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO: O DIABO SOLTO NA TELA

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO: O DIABO SOLTO NA TELA: Podemos dizer que o diabo é mesmo uma figura bem popular, aparecendo em filmes de grande bilheteria e sucesso, como foi o caso do filme “O Exorcismo de Emily Rose” (2005), “O Exorcista – o início” (2004) e “O Ritual” (2011), para citar os sucessos cinematográficos relativamente recentes. Podemos mesmo concordar dizendo que O diabo é pop, título que João Ximenes Braga deu a uma de suas reportagens no jornal O Globo (3/1/2001). Aliás, se concordarmos com Raul Seixas “enquanto Freud explica as coisas/ o Diabo fica dando uns toques/ o Diabo é o pai do rock” (Rock do Diabo). Já Zeca Baleiro canta: “O cara mais underground que eu conheço é o Diabo” (Heavy Metal do Senhor). O primeiro filme onde o personagem apareceu foi O Castelo do Diabo (Le Manoir Du Diable), de 1896, de Georges Mélies. Muchembled, na sua Uma História do Diabo (2001, p. 367-380), faz uma longa lista de filmes do “Cinema do Diabo”. Na introdução de seu livro, onde discute o seu próprio procedimento de pesquisa, afirma: “A cultura é um tecido riquíssimo, que precisamos examinar com a máxima atenção em todos os seus fios. (...) Lugar de destaque foi dado à sétima arte, reservatório imenso de formas e oficina permanente, em que se vêem incessantemente retocadas as tramas de nossas crenças” (MUCHEMBLED, 2001, p. 10, nota da p. 11). Interessante que enquanto no primeiro milênio “a arte quase não lhe dava espaço” (ibid., p. 19), hoje o demônio seja representado tantas vezes nas telas. (Sobre o demônio na literatura e pintura, Ribeiro Júnior no livro A Face Humana do Diabo (1997, p. 66-70) lista algumas obras). Mas qual é a razão pela qual uma figura tão antiga está tão presente em nossos dias? No filme “O Advogado do Diabo” (1997), o personagem interpretado por Al Pacino afirma: “O século XX foi todo meu”. Para Luther Link, professor da Universidade de Aoyama Gakuin, em Tóquio, autor de "O Diabo - a máscara sem rosto" (citado na reportagem à epígrafe): "O diabo é presente agora pela mesma razão que o foi por séculos. Explicar o mal, casos como o de uma criança que mata outra, é uma dor de cabeça que ninguém quer. Talvez falar que o criminoso teve uma infância difícil seja uma resposta mais comum hoje, mas para a Igreja e todos nós, o diabo ainda é a explicação mais fácil." (BRAGA, 2001, p. 3). A teologia liberal negou ao diabo qualquer prestígio, encarando-o como uma mera forma de falar, uma metáfora. Num dos filmes da série Hellraiser (Hellraiser III – Hellon Earth (1992)), uma das personagens entra na igreja correndo e busca a ajuda do padre dizendo está sendo perseguida por demônios. O padre responde que ela se acalmasse que os demônios são apenas uma metáfora. A essa altura, a igreja é invadida por um vento forte e os vitrais se quebram. Ela responde ao padre: “Explique isso para ele”. Essa cena mostra como, a despeito das posições da igreja e da teologia, as pessoas continuaram a acreditar no Diabo, só que agora estavam órfãos contra ele, pois não podiam contar com a igreja. (Atribui-se a Charles Baudelaire a seguinte frase: “A maior astúcia do Diabo é nos persuadir de que ele não existe”. Mas, como observou o personagem protagonista do filme O Ritual, é difícil quando a falta de provas é a prova de que o Diabo existe). Mas a teologia liberal não conseguiu tirar o diabo de cena! O filme O Ritual (2011), que conta a experiência do padre Michael, mostra um pouco da atitude da Igreja Católica em frente ao crescente número de queixas de atuação demoníaca que lhe chegavam dos seus fiéis: o treinamento de novos exorcistas. O sentimento de muitos é permanecermos vivendo num “mundo tenebroso”. A expressão é do apóstolo Paulo que a utiliza em Efésios 6,12. “Este Mundo Tenebroso” também é título do romance de Frank Peretti. O romance é responsável pela popularização dos conceitos da batalha espiritual: no livro, uma pequena comunidade de cristãos embrenha-se na luta espiritual contra espíritos malignos locais, “dominadores deste mundo tenebroso” que pretendem dominar cidades dos Estados Unidos. Se Hollywood fizesse um filme desse livro, acredito que seria um sucesso cinematográfico! Já no final do filme Exorcismo de Emily Rose, o padre Moore lê a carta deixada por Emily, onde ela afirma que as pessoas não podem duvidar da existência de Deus por ela ter-lhes mostrado o poder do diabo. Adilson Schultz (2005, p. 204), na sua tese Deus Está Presente, O Diabo Está No Meio, considerava que “Deus parece ser anunciado para que o mal seja denunciado”. A lógica dos exorcismos parece ser inversa: denunciar o mal antes de anunciar o bem. Sine diabolo nullus Deus. Fazendo referência a alguns filmes, nota-se como ‘o diabo é pop’. Num desses, O Exorcista, vemos a angústia de uma mãe ao ver sua filha passar por vários exames sem que nenhuma doença seja diagnosticada. A conclusão a que ela chega, no contexto do filme, parece óbvia: é uma possessão. Uma grande angústia do doente é não saber o seu diagnóstico, não saber contra o que luta. É necessário ‘dar um nome aos bois’. Mas o que mais me motiva a escrever essas linhas é ter ido ontem assistir a estreia do filme Instrumentos Mortais – Cidade dos Ossos (trailer acima), dirigido por Harald Zwart e baseado no primeiro livro da série escrita por Cassandra Clare. O filme vale a pena pela ação e pelo triângulo amoroso disfuncional em que a protagonista Clary se vê envolvida com seu sempre-amigo Simon e pelo caçador de sombras Jace Wayland (o Jace também é desejado pelo seu melhor amigo, o caçador Alec, que, no entanto, não consegue assumir sua paixão homossexual). E o filme preenche um espaço que foi deixado pelo fim da série Crepúsculo e não conseguiu ser preenchido pelo filme A Hospedeira, também baseado em um livro da Stephen Meyer. (Aliás, A Hospedeira é para mim bem melhor do que qualquer filme da série Crepúsculo, por ser uma ficção científica que nos leva a questionar o sentido da humanidade, por nos confrontar com um planeta Terra dominado por alienígenas que parecem muito mais desenvolvidos moralmente do que nós, mas a moralidade sem humanidade é uma miséria!). Em Instrumentos Mortais – Cidade dos Ossos a mãe de Clary é sequestrada por demônios. “Quando sua mãe Jocelyn (Lena Headey) é atacada e levada de sua casa em Nova York por um demônio, Clary Fray (Lily Collins), uma garota aparentemente normal, sai em sua busca em uma Nova York cheia de demônios, magos, fadas, lobisomens e outros seres fantásticos. Para ajudá-la, Clary conta com os amigos Simon (Robert Sheehan) e o caçador de demônios Jace Wayland (Jamie Campbell Bower), mas acaba se envolvendo também em uma complicada paixão” (veja sinopse). Os demônios buscam o Cálice Mortal escondido pela mãe de Clary. No desdobrar do filme, Clary descobre também que sua vizinha Dorothea é uma bruxa, o amigo de sua mãe Luke é um lobisomem, e Magnus, o cliente que comprava os quadros de sua mãe é um poderoso feiticeiro que com um feitiço lhe bloqueara a memória, para que ela não se lembrasse de que ela não é uma garota tão normal quanto imaginava. Simon, seu melhor amigo, é capturado por vampiros. Fiquei esperando ele se transformar, mas isso, acho, vai ficar para a continuação da série. Para ler: BRAGA, João Ximenes. O Diabo é Pop. In: O GLOBO, 03/01/2001, segundo caderno p. 1 e 3. Disponível em: Acesso em: 14/03/2011. MUCHEMBLED, Robert. Uma História do Diabo: séculos XII – XX. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2001. PERETTI, Frank E. Este Mundo Tenebroso. 2ª Impressão. São Paulo: Editora Vida, Julho/1990. RIBEIRO JÚNIOR, João. A Face Humana do Diabo. São Paulo: Master Books, 1997. SCHULTZ, Aldino. Deus Está Presente – O Diabo Está No Meio: o protestantismo e as estruturas teológicas do imaginário religioso brasileiro. Tese de doutorado. São Leopoldo: EST, 2005.